segunda-feira, 17 de outubro de 2011

UM MUNDO EM MUTAÇÃO

Jean-March Manach defende que proibir o acesso às redes sociais no local de trabalho, seria o mesmo que proibir os telefones nos escritórios há 60 anos atrás. Por outro lado, o autor de vários artigos sobre o desenvolvimento das tecnolo

gias de comunicação e o impacto da Internet na nossa sociedade, de
staca o facto de que a fronteira entre a vida pública e a vida privada é cada vez menor.

Curiosamente as novas tecnologias não se limitam apenas a fazer-nos levar trabalho para casa, mas também permitem que a nossa vida pessoal entre na esfera profissional. Podemos estar no escritório ou mesmo numa reunião profissional e, simultaneamente, optar por comunicar com familiares e amigos através de sms, correio electrónico ou redes sociais. Apesar de algumas empresas não permitirem o acesso aos serviços de chat ou às redes sociais, conversar com os amigos no Facebook durante o horário de expediente é cada vez mais uma prática implementada pela Geração Y (também designada por Geração do Milénio ou Geração da Internet).

Don Peppers e Martha Rogers defendem na sua tese (1), publicada num artigo muito interessante em 2009, “The Societal Benefits of Data Sharing”, que existem benefícios sociais, pessoais e profissionais de partilha de dados pelos utilizadores das redes comunitárias e sociais do tipo Web 2.0. Nós vivemos numa era de informação permanente e o beneficiário final das mudanças ao nível das interacções sociais é a sociedade em geral. Todavia, só recentemente é que as comunidades académicas passaram a reconhecer que a partilha de dados através das redes sociais é um benefício social que traz muitas vantagens para professores e alunos.

O Professor Ravi Sandhu (responsável do Instituto de CiberSegurança da Universidade do Texas) defende que a relutância em partilhar os dados pessoais evaporou-se rapidamente e compara a ausência de pudor dos “nativos da era digital” (tradução de digital natives, nome dado aos que cresceram cercados de tecnologias da informação) à revolução sexual na década de 60. “No início as pessoas tinham poucas inibições e adoptavam práticas muito arriscadas. Mais tarde, as pessoas aperceberam-se dos riscos e passaram a adoptar comportamentos mais seguros, pelo que no final verificou-se que a libertação sexual beneficiou a sociedade.”

No que concerne a partilha de dados através de sites das redes sociais, actualmente estamos a vivenciar uma fase de mudança do nosso estatuto de identidade. Da mesma forma, estabelecendo um paralelo com a revolução sexual, a alteração da nossa vida privada trará utilidade social, talvez quando as pessoas aprenderem a gerir a invasão à sua vida privada, ou será que estamos a assistir ao início do fim da vida privada?

Muitos especialistas em tecnologias defendem que num futuro a curto prazo, passa a ser tecnicamente impossível o direito o à vida privada. Quando há alguns anos atrás, me apercebi pela primeira vez ao entrar nos sites de marcação de hotéis, que conseguiam seguir o meu rasto de hotéis onde estive alojada ou hotéis que pesquisei informações, fiquei estupefacta e de certa forma alarmada com a eficácia de como a informação viaja na Internet…Por outro lado, se a livre circulação de dados e informação, bem como, o acesso directo a todos os nossos dados pelas autoridades policiais, permitir encontrar culpados de crimes graves, não será isto de grande utilidade social, mesmo que ponha em causa a nossa liberdade individual?

É indubitável que a nossa identidade digital coloca em causa a nossa noção de identidade. Tudo parece indicar que as pessoas sentem-se mais confortáveis em expor ou afirmar-se nas redes sociais do que o fariam na realidade, e também é um facto que as pessoas passam uma boa parte da sua vida social na Internet. Efectivamente, partilham-se muitos sentimentos, recordações, fotos, bons e maus momentos na Internet, a maioria das vezes com pouco interesse para a sociedade em geral. Muitos utilizadores da Internet despem com facilidade a sua máscara perante as redes sociais, sem pudor, esquecendo muitas vezes os perigos que isso poderá apresentar.

É importante frisar que se enchem-se páginas de sites com temas fúteis, estéreis e de consumo rápido. Atrevo-me a dizer, por exemplo, que algumas informações colocadas na Internet mais me parecem páginas de fast information, fazendo aqui uma analogia com o conceito pejorativo de fast food. Aliás, acrescento fast and very poor information. Não me identifico com a mentalidade do Velho do Restelo, mas desagrada-me a ideia com a facilidade com que se trocam opiniões e saberes com uma enorme ligeireza e sem receio de se cometerem erros crassos ou espalharem-se mitos com força social, porque da mesma forma que uma mentira repetida inúmeras vezes, torna-se realidade, também a falsa informação, tantas vezes escrita em blogs e-mails, se pode tornar conhecimento. Claro que a utilidade da Internet dependerá do uso que lhe dermos. É necessário ter um espírito crítico perante a avalanche de informação com que diariamente somos bombardeados. É também necessário estarmos atentos para não sermos veículos de contra-informação que muitas vezes chega a nós através da caixa de correio, e depois ajudamos a circular para os nossos colegas, amigos e familiares, numa cadeia que não tem fim. Quando estudei na Universidade do Porto, os meus recursos didácticos eram sobretudo físicos. Hoje em dia, as minhas pesquisas, não só no âmbito académico, como também ao nível profissional, baseiam-se sobretudo na informação disponibilizada na Internet. Não imagino como seria possível conciliar as exigências profissionais sem Internet! Naturalmente, sou muito selectiva e procuro informação em sites fidedignos.

Mas este fenómeno não será o espelho da nossa sociedade? Os programas televisivos como o Big Brother, inacreditavelmente, atingiram recordes de audiências, porque os concorrentes sentem necessidade de expor sua vida para ganhar contrapartidas económicas e sociais, enquanto os espectadores sentem curiosidade em “espiar” a vida dos outros, um segredo tão religiosamente guardado nos séculos passados. O fruto proibido é sempre tentador…Talvez quando no futuro as sociedade passar a encarar a vida privada como algo natural, os indivíduos deixarão de se preocupar com a protecção da sua identidade. Segundo a Antoinette Rouvroy (investigadora no Centro de Investigação Informática e de Direito da Universidade de Namur na Bélgica) é possível que o processo de emancipação, partilha e libertação dos nossos conhecimentos e competências, tal como assistimos na Internet, desenhe, de forma efectiva, as premissas de um “novo mundo”.

Artigos da autoria de Jean-March Manach (consultados a 12 de Outubro de 2011):

http://www.internetactu.net/2010/01/04/vie-privee-le-point-de-vue-des-petits-cons/

http://www.internetactu.net/2010/03/02/la-vie-privee-peut-tuer/

http://www.internetactu.net/2010/10/26/faites-le-vous-meme-mais-quoi-mais-tout/

http://www.internetactu.net/2010/06/03/prochaine-etape-hacker-la-societe-de-surveillance/

http://www.internetactu.net/2010/09/14/les-compteurs-intelligents-des-bombes-a-retardement/


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